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Artistas se engajam em campanhas da Associação Brasileira de Psiquiatria para derrubar o preconceito contra portadores de doenças mentais

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O que você imagina que celebridades como o ator Maurício Mattar, a atriz Luciana Vendramini e o locutor esportivo Luciano do Valle têm em comum? Por mais surpreendente que seja, eles sofrem preconceito por serem portadores de uma doença psiquiátrica. Todos eles estão em tratamento, e afirmaram, recentemente, durante o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, ocorrido em Natal, que são pessoas mais felizes após o diagnóstico de seus distúrbios e o consequente tratamento medicamentoso e terapia cognitivo-comportamental. Ao mesmo tempo, eles ainda passam pelo estigma que acompanha muito dos portadores de algum tipo de transtorno psíquico. 

Neste sentido, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) acaba de lançar a campanha “A Sociedade contra o Preconceito”, e sua vertente, “Psicofobia é um Crime”. Outra ação visa a alcançar os profissionais do esporte de uma maneira geral e incentivá-los a não entrar no mundo das drogas por meio do mote “Craque que é Craque não usa Crack”. 

De acordo com o psiquiatra Antonio Geraldo da Silva, presidente da ABP, hoje mais de 40 milhões de pessoas sofrem de algum distúrbio psíquico, e graças ao preconceito muitos acabam se drogando, recorrendo a todo tipo de intervenção, mas não passam num consultório psiquiátrico, com receio de se tornarem vítimas de preconceito. 

”De verdade, quem sofre de algum transtorno psiquiátrico merece o mesmo respeito que um diabético ou portador de qualquer outra doença crônica, não tem sentido a pessoa ser discriminada”, diz o médico. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 25% da população é portadora de alguma patologia psiquiátrica. “O dado é alarmante e precisa de análise e comprometimento das autoridades, médicos e entidades para promover uma política de saúde pública eficiente”, sugere Silva. 

O fato é que o preconceito existe, e muitas pessoas estão sem receber tratamento para evitar este estigma. A despeito de hoje já existir inúmeras novidades no tratamento de doenças como bipolaridade, esquizofrenia, síndrome de pânico e outros problemas mais frequentes, como ansiedade generalizada e transtorno obsessivo compulsivo. 

Celebridades relatam experiências 

O motivo da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) convidar artistas para participar de campanhas de conscientização é derrubar preconceitos. Maurício Mattar, por exemplo, conta que há um ano está em tratamento contra o transtorno bipolar e, hoje, se considera uma pessoa feliz. 
“Vivia entre altos e baixos e não sabia que sofria de oscilação de humor. Era uma pessoa tão instável que o fato de odiar o calor me tornava irracional, arrumava brigas homéricas, no meio das gravações, enfim, era um chato, que não sabia que era doente. 

Busquei todo tipo de ajuda, no budismo, na meditação e outros lugares que, claro, me ajudaram, mas, me equilibrar de fato, só a medicação mesmo”, diz. O mesmo relata o locutor Luciano do Valle, que viveu uma de suas piores experiências , quando estava na África do Sul, às vésperas da Copa do Mundo de Futebol de 2010. Com quadros depressivos, síndrome do pânico e bipolaridade, não conseguia trabalhar. 

A crise quase o fez desistir da profissão. Ele conta que só mesmo a ajuda psicotera-pêutica e as medicações lhe devolveram o equilíbrio mental. Tanto que acaba de escrever um livro book com depoimento de 50 pessoas que fizeram ou fazem parte do cenário esportivo, e com quem ele cruzou ao longo de sua carreira. O locutor se empenha junto com a ABP para inserir nos quadros esportivos a obrigatoriedade de acompanhamento psiquiátrico para jogadores de futebol. 

”Assim como tem preparador físico, nutricionista e outros profissionais, os times precisam, também, de acompanhamento com psiquiatra”, afirma. 
Por sua vez, a atriz Luciana Vendramini recorreu a caminhadas, à acupuntura e até mesmo à sua irmã, com quem convivia na época em que foi vítima de um surto de transtorno obsessivo compulsivo, quando chegou a precisar de 24 horas do dia para realizar apenas três tarefas: tomar banho, levantar e dormir. 

”Eram horas para conseguir sair do quarto, outras tantas horas para concluir o ritual do banho, e outras tantas para contar um xis de táxis, antes de finalmente conseguir me deitar”, diz. A atriz, que começou cedo sua carreira, não imaginava que sua doença era tão séria, e mesmo lendo tudo que podia sobre o assunto passou pela difícil fase da negação, dela e de sua família, com relação à doença. 

Mas ainda hoje enfrenta o problema com relação aos colegas de trabalho. “É difícil aceitar o que não se entende. Por isso, temos que tornar as pessoas mais conscientes destas doenças”, diz. Para contribuir com a campanha, Luciana está escrevendo um livro, em parceria com o psiquiatra Antonio Silva, que deverá ser lançado até o final do ano. 

Psicofobia é crime, diz presidente 

Na visão do presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o psiquiatra Antonio Geraldo da Silva, o programa “Sociedade contra o Preconceito”, que na verdade foi deflagrado no ano passado, com a presença de personalidades como Cássia Kiss e Chico Anysio, durante congresso no Rio de Janeiro, está ganhando as ruas e os noticiários. 
Já está no Senado uma discussão que pretende imputar a psicofobia como crime: aquele que discriminar um portador de doença psiquiátrica. 

Além disso, há também discussões científicas fundamentando toda a problemática. O psiquiatra afirma que basta que a ideia seja disseminada e que todos se unam para que se puna a psicofobia da mesma forma como hoje ocorre com a homofobia, o racismo e outras situações que envolvem discriminação. “Somente juntos poderemos desmistificar e acabar de vez com o que é dito e pensado de forma errônea sobre os portadores de transtornos e deficiências mentais”, diz. 

O senador Paulo Davim (PV) reconhece que os números apresentados são alarmantes e é preciso agir rápido para evitar que o preconceito contra portadores de transtornos e deficiências mentais se torne mais um problema de direitos humanos. Ele diz que o momento é oportuno para apresentar emenda criminalizando a psicofobia, mas ressalta que a luta ainda está no início. “Os doentes mentais têm direito a ser tratados com respeito e a hora é agora, com a análise do anteprojeto do Código Penal. Se a homofobia é considerada crime de racismo, a psicofobia também precisa ser criminalizada”, diz. 

Quem faz coro ao psiquiatra é o médico argentino Jorge Luis Pellegrini, um dos convidados internacionais para o Congresso Internacional de Acompanhamento Terapêutico, que acontece em São Paulo entre os dias 15 e 17 de novembro. Ele participa de debates sobre a prática de tratamento humanizado a pacientes em sofrimento psíquico e afirma que “é preciso parar de pensar em doença mental como um processo que fatalmente conduz à cronicidade”. 

Para o psiquiatra, “com o desenvolvimento das técnicas no campo da psicoterapia, psicofarmacologia, expressão corporal, psicodrama, terapia de grupo e tudo o que foi desenvolvido na Argentina, por exemplo, e em várias partes do mundo, é absolutamente insustentável que haja internações que durem mais de 20 dias.” 

Sua proposta é ir às ruas, onde as doenças se produzem. Pelegrini recebeu, em 2005, o Prêmio Mundial de Psiquiatria por sua atuação, ao longo de toda a vida, em defesa dos direitos humanos em psiquiatria. Ele próprio foi vítima da violação desses direitos durante a ditadura argentina militar, quando foi preso e excluído da universidade e do hospital onde trabalhava

 

 

 Fonte:Diário da Região Osasco-SP

Autor

Dra Thaysa Gazotto Neves

Dra Thaysa Gazotto Neves

Psiquiatra

Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental em Dependência Química no(a) UNIFESP.